Meu caríssimo e minha caríssima colega da Odontologia,
é um pouco complicado falar sobre a construção de uma profissão, e são muitas as visões, e mesmo diferentes.
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eu tenho uma visão. primeiro de que nossa profissão como qualquer outra tem um sentido muito mais coletivo que individual. não faz sentido uma profissão para si mesmo mas para o outro. para si mesmo já nos bastamos.
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mas é na construção coletiva e no sentido coletivo que nossa atuação se fará sentir. e não é um movimento altruísta, e muito provavelmente egoísta. mas consiste isto não em um problema, visto que no puro egoísmo, a ação altruísta encontra espaço. porque o que me é melhor, é também o que é melhor ao próximo, ao coletivo. pensar o contrário é não entender a nossa mais autêntica característica de ser relacional. eu não sou eu mas um coletivo, bem como você.
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é neste contexto de identificação com o próximo que penso a construção da profissão, em um movimento em sentido do outro, para o outro. e também dele para comigo.
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durante todo a minha vida, convivo com a profissão saúde e educação. quando nasci minha mãe já trabalhava com saúde. era visitadora sanitária. trabalhava no SESP. uma espécie de SUS, porém bem mais limitado. cresci vendo crianças sendo vacinadas. mulheres grávidas sendo vacinadas. visitas sanitárias realizadas por minha mãe em bairros carentes do município em que cresci.
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quantas vezes não fui ao SESP, e colocava as fichas dos "pacientes" em ordem alfabética. ajudava a carimbar. acompanhava as consultas e orientações das pessoas. hanseníase. tuberculose. e eu mesmo fui atendido diversas vezes no SESP. foi o meu aprendizado inicial em saúde coletiva.
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mas o social veio com minha participação nos movimentos religiosos cristãos católicos na década de 1970 e 1980.
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a partir de meados de 1980 a arte entrou em minha vida através da música, do cinema e do teatro. e a descoberta de uma nova visão de mundo. uma visão menos ranzinza. uma visão de mais aceitação. sim. embora a igreja aceite, o teatro também nos abraça e abre nossas almas ao outros.
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mas foi no final da década de 1980 que descobri a pedagogia. fiz o curso normal. um curso que nos prepara para o ensino de crianças. encontrei a filosofia e a sociologia. entrei em contato com o mito da caverna. e de certa forma pude sair da caverna. por esta mesma época descobri a política e o ser político. um mundo de tão importante potência que é constante a luta para sua deploração. descobri paulo freire.
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fui a universidade no início da década de 1990. a pesquisa entrou em minha vida. casei. fiz odontologia. fiz pesquisa. fiz centro acadêmico. tornei-me um profissional. foram tantos os congressos e contatos com a ciência que dediquei os próximos sete anos à pesquisa. descobri minas gerais. descobri o universo da pesquisa em nível de pósgraduação. fiquei mais íntimo da biologia. e descobri a música, a arte, a política de minas gerais. alcancei um ponto alto na pesquisa.
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início do novo século. volto ao piauí. descubro o ensino superior. descubro o movimento social. descubro a gestão da saúde. do sus. descubro o morhan. separo. caso de novo. tenho filhos. são muitas as novidades. sou conselheiro de saúde municipal. estadual. e sou delegado em conferências de saúde. descubro que a universidade pode ser mais do que um espaço de diplomação. já sabia, mas não sabia de fato.
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metade da década de 2000. vou ao interior do piauí. sou professor de uma faculdade. mais uma. mas não mais uma. nesta faculdade descubro a enfermagem. começo a entender a enfermagem. e descobrindo o outro, descubro a odontologia. novo olhar. e ainda neste período vou ao psf. sim sou dentista da família. em guadalupe - piauí. atendo as pessoas. descubro-me um dentista. já era pesquisador. professor. e agora, um cirurgião-dentista. engraçado dez anos depois da formatura. meus pacientes confiam em mim e eu neles.
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mas no final da década, novo desafio, após defender meus alunos, pago o preço. perco o emprego, porque era proibido ser amigo de alunos. tentar transformá-los. transformá-los não, guiá-los na emancipação. assim, chego a juazeiro do norte. eu piauiense, mineiro, agora no ceará. não foi exatamente fácil. mas ainda acredito que há um certo e um errado. não um certo/errado dicotômico. mas um certo/errado humano possível. e uma escolha de sacrifício. de doação. mais fácil aceitar a oferta do demônio e negar o Senhor. mas não nego ao Senhor.
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a odontologia se me apresenta na primeira semana e começo a auxiliar na construção do curso já na minha primeira semana. será que finalmente estaria eu envolvido de volta a construção de minha profissão.
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profissão. a formação foi apontada, em muitas reuniões, congressos, consensos como o nó crítico para o acertar o sistema de saúde. é preciso uma boa formação para que haja uma boa odontologia. são dois anos de espera até o curso se iniciar. tantas disciplinas que poderia assumir, caiu-me a genética e evolução. primeira semana. segunda semana. terceira semana. o desafio é muito grande. são muitos alunos e muito diversos. muitos os interesses diferentes. e o que encontram? apenas disciplinas. e disciplinas, sinto muito não é lá muito útil. o que é necessário mesmo é formação. e não vamos formar um todo fragmentando-o. então, como poderia não fazer o primeiro passo de forma tão equivocada. é preciso reunir. é preciso agrupar. é preciso aceitar o momento inicial de cada estudante. sim, estudante aprendiz. e não aluno, porque (a=ausência; luno=luz, assim aluno=sem luz) e definitivamente cada um tem uma luz muito especial bem como tem cada um o seu conhecimento. e temos que partir deste conhecimento. mas como iremos encontrar o ponto de cada conhecimento. somente a autoavaliação permite isto. assim, o blog é um movimento de conhecer a si mesmo e se fazer conhecer.
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o blog não é um blog, mas é um diário. o seu diário. o seu espaço íntimo exposto. mas é sua exposição medida. no entanto, é principalmente uma exposição de você para você. você é seu principal seguidor. é sua possibilidade de não apenas confiar em uma memória que te quer ludibriar que quer esquecer. não o seu blog te lembra como um grilo falante. um grilo falante somente seu. e quando você olhar para dentro de si, verá que pode (ou não) construir sua profissão. mas esta decisão é (e sempre será) somente sua.
e é por confiar tanto assim em você, meu amigo e minha amiga, que eu propus o blog. e eu vos acompanhei até aqui. e talvez vos acompanhe ainda mais. se minha companhia não for lá tão chata ou inconveniente. de qualquer forma há uma grande possibilidade de eu permanecer aqui. mas não importa. o seu blog é que importa.
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o seu blog te acompanha. você se acompanha. se constrói. e poderá a partir deste registro, avaliar, analisar, verificar a si mesmo. somente isto interessa.
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enfim, é por confiar tanto assim em você que quis que você tivesse um blog. e eu confio que sua formação depende de você. assim, aqui temos uma encruzilhada do físico, do presencial. mas não necessariamente do digital, da matrix. você tem uma jornada. boa jornada. eu te desejo uma boa jornada.
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e já te vejo assim meio de longe como dois amigos que acenam um adeus, mas um adeus assim sem solidão, apenas com a certeza da boa jornada.
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