Frequentemente, deparo-me com manifestações de repúdio ao termo “cliente” quando alguém se refere a cidadãos que buscam atenção profissional à saúde. Em uma visita ao blogue de Lívia Karynne observei a nota “não gosto desse termo”, recordei imediatamente que, também, sinto certa dificuldade em utilizá-lo, mas também de que já não me sinto confortável com a expressão “paciente”, e ainda, às vezes, parece estranho o termo “usuário”.
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É comum referi-se ao cidadão que busca atenção profissional de saúde como paciente. Esta denominação passa por uma visão de hierarquia em que o profissional de saúde é o detentor de conhecimento e das técnicas, ou seja, do poder de promover a saúde, prevenir a doença, curar ou reabilitar da doença/sequelas, e que, no outro lado, o cidadão se entrega à manipulação, avaliação e tratamento de forma passiva. Porém, recentemente, temos nos habituado a denominá-lo cliente, como uma forma de reconhecer seus direitos de consumidor de uma atenção especializada e de escolher por opções de tratamentos ofertados, de certa forma, como uma busca de emancipá-lo na relação cidadão/profissional (serviço).
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O reconhecimento do perfil de cliente, de consumidor, por parte dos serviços de saúde, privados ou estatais, no entanto, apresenta um viés alinhado ao sistema capitalista consumidor. Os direitos são vistos como referentes a serviços, produtos, e, embora, inclua aspectos relativos ao acolhimento e humanização no atendimento, vincula-se a uma abordagem individualista. Mesmo no sistema público, verifica-se este viés, especialmente, quando se depara com as limitações dos serviços, e a necessidade de se ampliar sua oferta, em um sentido, ainda, quantitativo. Assim, favorecendo, devido a aspectos de “eficácia”, um modelo médico-centrado, em que prevalece a abordagem impessoal, objetiva e descompromissada. O cumprimento de metas, baseadas em produção, fortalece este modelo. Advoga-se a necessidade de mudança destas relações, entre o saber instituído e o conjunto de atores sociais lidando com a saúde, especialmente os usuários do serviço.
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Esta construção conceitual (e prática) de paciente/cliente não é emancipadora, e orbita em torno de um processo individualizado e mercantilizado, no qual o cidadão mantêm-se alienado e, mesmo na condição de cliente, ainda guiado por forças mercadológicas. Propõem não uma assunção de um destes dois modelos passivos de relação, mas da construção de uma relação centrada no coletivo, no exercício da cidadania ativa.
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As mudanças necessárias nas relações profissional-usuário constituem-se em meio e em fim para alcançar este propósito de cidadania, respeitando a prerrogativa de direito constitucional e buscando cumprir uma das principais diretrizes do SUS – participação ativa. Isto fica ainda mais premente quando se verifica que parcela da comunidade se encontra resignada em relação às práticas atuais. E ainda considerando que as práticas de saúde não têm apenas a dimensão técnica, mas constituem-se em práticas sociais complexas, perpassadas por dimensões culturais, econômicas, políticas e ideológicas, motivos que tornam ainda mais difíceis as rupturas com o modelo praticado.
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Em relação ao termo, mais importante do que a palavra é o sentido, quer pela familiaridade quer pela provocação de mudanças. Mas, não permanecendo alheio à proposta, considero enfatizar o termo cidadão o mais importante, uma vez que todos são usuários do SUS.
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Bibliografia consultada
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Cardoso GM, Lazzarotto EM, Zanella MSV. Paciente – Cliente ou Cidadão?. Seminário Nacional - Estado e Políticas Sociais no Brasil. Cascavel – PR. 2003.
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Sena, R. Paciente também é cliente. Consumidor Moderno. 2011; mai 158: 84.
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Traverso-Yépez M, Morais NA. Reivindicando a subjetividade dos usuários da Rede Básica de Saúde: para uma humanização do atendimento. Cad Saúde Pública. 2004; 20(1): 80-88.