sábado, 19 de fevereiro de 2011

Sobre eugenia no Brasil e algumas de suas consequências

O trecho a seguir é do artigo científico A Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo
e a reconfiguração da identidade profissional da Enfermagem Brasileira, de Campos & Oguisso (2008).


Sintomaticamente, a instauração da República evoca um dos grandes momentos da saúde pública brasileira, assim como recupera um dos marcos da história da enfermagem no Brasil, conhecida como Missão Parsons
(9). A historiografia dominante indica que as vicissitudes do novo regime resultaram em reformas sanitárias,
instauração de políticas de saúde pública, criação de campanhas, ligas, associações, escolas e outros espaços institucionais, reafirmando que a questão da saúde no Brasil polarizou os investimentos durante a Primeira República (1889-1930).

Concentrados em esforços políticos, os movimentos em torno da saúde pretendiam reverter a representação do país, visto como um local impuro, viciado, pestilento, propício ao desenvolvimento de doenças, inclusive, por sua característica maior, a miscigenação de sua população. Econômica e politicamente desfavorável, a
visibilidade dominante deveria ser alterada. Para tanto, cidades foram higienizadas, habitações populares e coletivas destruídas, ruas e avenidas remodeladas e a população branqueada com a entrada massiva de imigrantes, o que também preocupava médicos, sanitaristas e eugenistas que viveram no século passado. A
comunicação proferida por Renato Kehl, um ilustre médico do período, durante os eventos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, realizado no Rio de Janeiro, em 1929, permite entrever as representações do negro no Brasil:

"Senhores, O Brasil precisa augmentar o seu stock de homens
válidos. O poder de uma nação se aquilata pelo valor dos indivíduos
que a integram. Nada se diz de novo quando se affirma “que não
existe interesse ou bem estar da sociedade distincto do interesse e
bem estar de seus membros”. O nosso stock de homens, physica e
mentalmente superiores, é diminuto (...) Pergunto a mim mesmo:
será isso conseqüência da mistura das raças, será isso o que pintou
Paulo Prado no “Retrato do Brasil”? Será um mal insanável? (sic)
(10)
.
A República nascia com a missão de regenerar o país ainda atado ao seu passado colonial. No pensar das elites políticas e dominantes, a profilaxia, a saúde pública e as mudanças de hábitos cotidianos conduziriam os brasileiros para o estado mais avançado da vida em sociedade. Tais protocolos impunham regras para morar,

vestir-se, comer, cuidar da saúde, projetados por discursos médicos que visavam controlar o social. Entretanto, como analisou Jurandir Freire Costa, a imposição das normas médicas redefiniram a visibilidade do negro “...fazendo-o portador de uma força incoercível, a força da doença e da imoralidade...”
(11)
.
Para o alcance dos objetivos propostos pela República (sanar um país doente) era preciso controlar as populações, interromper os “vícios da hereditariedade”, os desvios da moral, originários da mistura racial. Identificados como inferiores, a imensa maioria de negros, pardos, mulatos, pretos, assumiam funções sociais
desprestigiadas, dificultando ainda mais a participação do negro na sociedade mais ampla e, no caso específico, impedindo que mulheres negras ingressassem na enfermagem profissional. No âmbito específico da enfermagem brasileira, Barreira permite considerar que as representações dominantes, construídas sobre
os negros, influenciaram a formação da liderança da enfermagem nacional. De acordo com a autora, “...várias das candidatas que atenderam aos apelos humanitários e patrióticos dos médicos sanitaristas provinham da classe média alta da sociedade, muitas delas tendo sido diretamente por eles recrutadas. Não obstante,
candidatas oriundas de famílias pobres poderiam ser bem recebidas, mas o mesmo não ocorreria com as candidatas negras...”
(11)
.

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