As técnicas endodônticas evoluíram muito nos últimos cem anos. Estes avanços científicos possíveis graças a maior compreensão da anatomia e histologia dos sistemas de canais radiculares, com a compreensão de sua complexidade, e da etiopatogenia das afecções pulpares e periapicais, envolvendo aspectos da microbiologia, imunologia e reparo. Estes conhecimentos suportaram as alterações na abordagem terapêutica endodôntica. Contudo, pode-se verificar que, considerando as etapas duas etapas envolvidas no processo – limpeza e obturação – a primeira foi ditada pela segunda. Ou seja, desde a forma de conveniência imprimida à cavidade de acesso aos canais radiculares, passando pelo preparo dos terços cervical e médio, com modelagens que permitissem o acesso, o foco centralizou-se em garantir um vedamento adequado do sistema de canais radiculares, adaptando estes procedimentos a este objetivo final. Mas, o contrário também poderia ter sido realizado, isto é, desenvolver uma obturação que se adaptar-se a um sistema de canais radiculares limpo e desinfetado mas o menos formatado possível, mantendo a anatomia o mais próximo do original. A partir da década de 1990, com os trabalhos originiais de Lussi e colaboradores, desenvolveu-se uma abordagem sem instrumentalização dos condutos radiculares. Esta abordagem baseou-se no estabelecimento de irrigação intracanal acompanhado de alterações sucessivas e cíclicas da pressão do líquido irrigante no interior do canal. Mais detalhadamente, estabeleceu-se a formação de vácuo (pressão reduzida) no interior do canal seguida de aumento súbito na pressão do líquido irrigante. Esta sequencia repetida diversas vezes com um irrigante a base de hipoclorito de sódio permitiu a remoção do conteúdo dos sistemas de canais radiculares e a sua desinfecção, sem a necessidade de qualquer modelagem dos condutos radiculares. Não havendo assim a necessidade de utilização de instrumentos tais como limas endodônticas, manuais ou automatizadas. A etapa de obturação (vedamento) dos condutos radiculares ocorreu por estabelecimento de vácuo e liberação de material obturador, na forma de cimento, e condensação do material. As pesquisas revelaram que o nível de limpeza alcançado foi similar ou melhor do que o obtido pelas técnicas convencionais, bem como a obturação dos condutos ocorreu em nível foraminal, sem extravasamento. Durante o processo, não ocorreu extravasamento foraminal do líquido irrigante. A limpeza e desinfecção foi possível pela ação química do irrigante hipoclorito de sódio, que tem sua ação dependente de tempo de contato e nível de contato com o material a ser removido, pela ação degermante do hipoclorito de sódio, e por ação mecânica do fluxo do irrigante, além da geração de fenômeno de cavitação. O fenômeno de cavitação ocorre devido às mudanças súbitas de pressões no interior do líquido irrigante, causando a formação de bolhas e sua implosão no interior do conduto, com liberação de energia. Este processo promove ação mecânica e antimicrobiana. Por esta abordagem, várias etapas tradicionais tornam-se desnecessárias, tais como preparo de cavidade de acesso não conservadora, remoção de dentina na entradas de canais radiculares ou em qualquer porção desde o assoalho até o forame apical, seleção e teste de cones de obturação, reduzindo substancialmente o tempo necessário para o tratamento e a exposição do paciente à radiação.
Finalmente, no Brasil, o ano era 1997 e iniciei o curso de aperfeiçoamento em endodontia pela UFMG, ao mesmo tempo em que cursava mestrado em Microbiologia no Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. Percebi pela primeira vez que os tratamentos endodônticos não eram nada conservadores em termos de tecidos dentários, e comecei a questionar este aspecto. A estratégia que escolhi foi buscar na literatura. Demorou um pouco, pois não conhecia os trabalhos de Lussi e colaboradores a priori. Mas depois de alguns meses de busca, encontrei seus artigos na Journal of Endodontic e na International Endodontical Journal. Na verdade, em um congresso, ainda em 1997, vi pela primeira vez a aplicação de vácuo na drenagem via conduto radicular, mas não avancei na idéia de que esta abordagem pudesse ser a base do tratamento endodôntico – faltava conhecimento básico em endodontia. Porém, ao encontrar os trabalhos supracitados (Lussi et al.) tive certeza de que a minha percepção de que os tratamentos convencionais eram demasiadamente agressivos e tecnicamente desnecessários. Escrevi um projeto baseado na técnica descrita por Lussi et al. e consegui me inserir em um programa de doutorado. Porém, deparei-me com uma impossibilidade técnica de construir o aparelho descrito no artigo científico, a despeito de trabalhar com um grupo da engenharia mecânica. Mas, em um insight, lembrei de uma técnica de incubação de bactérias em anaerobiose, em que se utiliza uma máquina de vácuo (bomba de vácuo) e um conjunto de tambores com misturas gasosas específicas. A parte técnica consiste de sucessivas sequencias de esvaziamento (vácuo) e injeção de gás. Então, transportando para a endodontia, a sequencia seria de esvaziar (vácuo) e preenchimento dos condutos radiculares com o irrigante. A pressão reduzida criada dentro do sistema de canais radiculares exerceria a força de sucção para o líquido irrigante (hipoclorito de sódio). Enfim, consegui desenvolver uma patente, que embora utilize a ideia original de Lussi e colaboradores, inova na lógica da sequencia e do aparelho pela simplicidade.
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