O porvir do antes, e o antes do porvir
Comemos bem, quando ao final ainda temos fome!
Duas coisas nos tornam humanos, a
certeza da finitude e a esperança no porvir.
A busca por uma infinitude,
provavelmente inalcançável, acaba por destruir ambas.
Destrói a certeza da finitude na
própria busca, fruto de seu próprio objetivo, e destrói a esperança no porvir que
se torna inútil em resultado e consequência da infinitude, ou simplesmente de
seu desejo e/ou busca.
Por outro lado, se não se busca a
infinitude, aceita-se, de alguma forma, a finitude, e, uma vez que ela nos
humaniza, se a deseja. Desejar a finitude é, de alguma forma, desejar a morte.
O desejo da própria morte é o que, finalmente, nos humaniza, sendo sua força
motriz.
Desejar a morte não é sinônimo de
buscá-la ou antecipá-la. Desejar a morte é compreendê-la como o desfecho da
finitude que nos humaniza antecipadamente por simplesmente se a avistar. Embora
a finitude seja irrevogável, a sua compreensão não o é. E se não a compreendemos,
não a aceitamos, não a temos no horizonte, então é como se fosse possível
revogá-la, e, por conseguinte nos desumanizar. Assim, embora a finitude seja
essencial para nossa humanização, não é suficiente. É necessário, ainda, sua
certeza e aceitação.
Ademais, na busca da infinitude,
nego o porvir, não porque ele não venha a ser, mas porque em nossa ambicionada
infinitude, o desprezamos, o negamos como necessário para nós mesmos e para
nossa humanização. Porque se posso ser infinito, não há porque o novo início. E
se não há, agora ou adiante, o porquê de um novo início, nos perguntaríamos porque
antes haveria de o haver, e isto nos faria refletir sobre a necessidade de
gratidão, porque somos o porvir do antes, e o antes do porvir. Ser humano
deveria ser, também, fruto da gratidão.
A busca incessante de prolongar a
vida é, em algum momento, uma busca pela infinitude a depender de como se
relacionam os fenômenos presentes. Se buscamos prolongar a vida sem se dar
conta da razão, de uma forma vazia de sentido, então configuramos uma espécie
de consumismo. E se nos apegamos como fazemos em relação ao consumo de bens, se
transformamos unidades temporais de existência em produtos a serem consumidos,
na vã esperança de saciarmos desejos, transformamos a vida em produto. A vida
como um produto passa a ser entendida como algo a se consumir e neste consumo
nos saciarmos. E, como toda e qualquer tentativa de saciar desejos, fadada ao
fracasso. Desejos não são saciáveis.
Na vida, frequentemente
procuramos fartarmo-nos das coisas, de tudo. De bens, de comidas, de relações,
de entendimentos e até de tempo de vida. No entanto, vivemos bem, quando ao
final ainda temos vontade de viver, o que não é sinônimo de apegar-se a ela de
forma irrestrita. Aqui há um paradoxo, o que nos humaniza é o desejo da morte,
mas sem que tenhamos nos fartado da vida.